quarta-feira, 22 de abril de 2009

Lembrança Remota

Já fazia dois anos que eu andava irritantemente ansiosa para aquele momento. Eu conseguia e podia acompanhar meu irmão mais velho, o Max, em tudo o que ele fazia e, sendo assim, agia como se fosse mais velha: brinquei com os amigos dele, aprendi a andar de bicicleta sem-rodinhas na mesma época que ele, brinquei de lutar e de arminhas. Quando ele entrou na escola e eu não pude foi, no mínimo, frustrante. Passei a acordar de manhã sem meu irmão para assistir os desenhos animados matinais que passavam na televisão. Tirando o fato que ele tinha temas para fazer – seja lá o que fosse isso – e eu não! Durante esses dois anos, esforcei-me ao máximo para aprender a ler e escrever em casa, com a ajuda de meu outro irmão, este bem mais velho, o Glauco.

Aquelas férias passaram vagarosamente e qualquer brincadeira parecia enfadonha perto da perspectiva de ir para a escola. Depois de toda a preparação, de comprar materiais, encadernar livros, escrever meu nome em meus objetos pessoais (eu já sabia escrever meu nome!), bordar meu nome na toalhinha e escolher a roupa que eu ia no primeiro dia de aula, chegou o grande dia.
Lembro exatamente como aquela noite foi horrível por causa da ansiedade que me tomava, uma ansiedade que faz parte da minha personalidade e que não me deixou dormir muitas noites em minha vida.

- Tu precisas tentar dormir, minha filha!

- Mãe, eu vou ficar sozinha lá? Por que tu não podes ficar comigo?

E assim eu repetia todas as perguntas que já havia feito muitas vezes.

Minha aula era à tarde. Aquele dia não teve jeito de ficar com sono depois do almoço. Eu já conhecia a escola, de tantas vezes que tinha ido junto com a mãe buscar o Max. A sala da pré-escola A, minha turma, ficava no final de um grande corredor. Era uma bagunça, o pessoal da quinta série me dava medo. Na porta da sala da pré-escola, tinha várias crianças da minha idade chorando desesperadas, mães na porta acenando para os filhos chorosos dentro da sala. Comecei a ficar nervosa, nunca tinha pensado na possibilidade de chorar naquele dia. Minha mãe me levou até o centro da sala, comprimentou a professora Leni e escolheu meu lugar em baixo de um ventilador, no centro.

- Tu estás com medo, Maira?

- Um pouco, agora.

- Tu queres que eu fique aqui contigo?

- Não, mãe. Não precisa.


- Se tu precisar de algo, a mãe do Lucas (meu vizinho chorão) vai ficar ali no corredor, ta bem?

- Ta bem, mãe.

- Quando acabar a aula tu fica sentadinha aqui me esperando, ta bem?

- Sim, mãe.

Quando ela passou pela porta, senti a garganta apertada e os olhos encherem de lágrimas. Nesse momento, um menino loiro que esperneava e gritava copiosamente mordeu a mão da professora, que tentava segura-lo dentro da sala de aula. A mãe ele, calmíssima apontou para mim:

- Olha aquela menina lá, filho! Que exemplo! Nem ta chorando!

Aquilo me acalmou e me encheu de orgulho. Estufei o peito e sorri, quase reabsorvendo as lágrimas.
Lembro com muitos detalhes daquele dia, de como fui até o quadro negro escrever meu nome, de caminhar pela escola fazendo fila de meninos e meninas, de como olhei um outro menino loiro e pensei “Acho que esse aí ta bom pra eu gostar.”
Esse dia me diz muito sobre mim, continuo agindo do mesmo modo em muitas situações na minha vida. Hoje em dia, com um pouco mais de receio que antigamente, quando tudo era motivo para diversão.

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