Há dois dias, nasceu minha irmã.
Me vejo, então, a refletir, como fazem diversas pessoas quando se deparam com a vida - ou com a morte. Penso que viver como se fossemos durar para sempre é uma defesa do ser humano para conseguir seguir uma vida que nos foi imposta. Essa vida cheia de regras, julgamentos, diretrizes e valores que normalmente não sabemos bem porque existem. Seguimos o caminho que nos dizem que deve ser trilhado sem questionamentos, ou com poucos. É ruim questionar, pois se recebermos uma resposta crua, sem piedade, talvez nunca mais possamos fingir que pertencemos a esses padrões que nos convenceram ser o certo ("certo", nunca gostei dessa palavra). Pego-me questionando, entretanto, face ao nascimento de minha irmã. Aos vinte e dois anos, pela primeira vez, presencio a continuidade da história independente de mim. Quando criança, temos certeza de que somos o centro de de tudo: das atenções e dos acontecimentos. Não é que nada aconteça quando a gente não vê ou não está por perto, é que tudo o que acontece e que não faz parte da nossa vida não tem importância em absoluto. A vida que importa é a que a gente consegue alcançar. E não precisa ser tão criança assim. Na adolescência, apesar de estudar história, geografia e todas as ciências que nos mostram tudo o que foi criado antes de e durante nossa existência, ainda não nos importamos muito. É interessante, como uma bela estória que se lê num livro, mas só existe no distante e paralelo universo que é nossa imaginação e pensamentos.
Mas, há dois dias, nasceu minha irmã. E ela tem os olhos abertos que não se ainda não fixam em nenhuma das formas estranhas de luzes que eles captam. Tem os pés e as unhas compridos. E veste cor-de-rosa. Minha vida já está acontecendo há o que me parece tanto tempo, já fui calejada por meus erros, tenho meus traumas, meu amor, meus medos e coragens, tenho conceitos e dúvidas. Já mudei tanto de ideia. E ela não sabe identificar absolutamente nada do que surge na vida dela. Ela é uma pessoa limpa, só existem os instintos. Em pouco tempo, porém, mergulhá-la-ão em padrões cor-de-rosa. Meu pai vai fazê-la engolir suas verdades incontestáveis e ela vai aprender a identificar o estalo da canela do pai quando ele levanta à noite para pegar um copo da água.
O que me intriga mais é que me vejo nela. Vejo minha vida florindo junto com a dela, desde que nasci, desde minha primeira lembrança. Vejo as paredes desenhadas, vejo meus irmãos e minha mãe, vejo meu pai, sinto tudo o que senti. Me emociono ao ouvir meu pai dizer "minha filha" e não estar se referindo a mim.
E a vida, que vai continuar, mesmo depois de mim. Pergunto-me quanto tempo vai demorar pra Laura, minha irmã, conseguir visualizar o quanto a vida é mágica, o quanto ela oferece ao mesmo tempo que tira. Penso em tudo o que a vida vai me oferecer e depois me tirar, penso em tudo que já perdi. Minha inocência e muitas primeiras vezes.
Penso na Laura, que nasceu rápido, saudável, gritando por leite. E que daqui a pouco a vida não vai ser mais tão simples. Nem pra mim, nem pra ela.
Como se protege uma pessoa nova - porque é isso o que ela é, uma pessoa nova, recém feita - ?