Talvez eu não saiba descrever com precisão o que eu sentia naquele dia. Infelizmente não são sentimentos que ainda carrego comigo. Apesar disso lembro muito bem e sinto os vestígios de uma infância sonhadora junto ao mar - pelo menos nas férias de verão.
Sentimentos não são precisos... Direi, então, que ao olhar o mar, sentia uma espécie de paixão, respeito, fascínio e talvez medo perante aquele gigante imponente que aprendi a gostar desde pequena, quando tudo era grande demais.
Vê que estou sentada na areia ao lado de meu irmão. Sim, aquele é meu irmão. Ele não gostava do mar. Tinha tanto medo que se limitava a brincar apenas no raso. Podes notar que apenas a parte de baixo de sua bermuda está molhada. Enquanto eu adorava ir até depois da arrebentação com meu pai (Vês que estou fazendo pose de sereia? Essa era a intenção, ao menos), meu irmão nunca queria. Mais de uma vez lembro de ver meu pai se abaixar na frente dele, segurar sua mão e perguntar:
- Tu achas que eu te colocaria em alguma situação de perigo? Confia em mim, Max.
Max é o nome dele. Sempre senti inveja por ele ter um nome tão legal, enquanto eu... Bom, continuando. Era só eu ouvir meu pai falando isso que eu inchava de vontade de provar a ele, meu herói, que eu, sim, era corajosa. Que eu confiava nele incondicionalmente. Mas não o Max. Não, ele se recusava e se mantinha impassível. Se houvesse qualquer insistência, ele chorava. Só bem mais tarde o medo dele tornou-se compreensível para mim. Nem mesmo depois do incidente desse dia eu compreendi. Muito nova, eu suponho.
Tinha completado sete anos havia pouco tempo. Passei como melhor aluna da pré-escola e estava disposta a ingressar na primeira série mantendo esse título. Eu era um pouco arrogante. Acredito ter me tornado uma pessoa melhor no decorrer dos anos, depois de muito "quebrar a cara". Enfim, era o primeiro verão que íamos a Santa Catarina. Encantei-me com mar transparente e com as poucas ondas de algumas praias. Vês aquela ilha lá atrás? Adorava contar as quatro ilhas que davam nome à praia. Uma delas parecia que se escondia, tímida.
Essa mulher maravilhosa cuidando de nós é minha mãe. É ela quem respondia todas as minhas incessantes com a maior paciência do mundo. É ela quem fazia incessantes perguntas para o Max, para fazê-lo interagir. Veio a longa viagem de seis horas nos contando sobre a praia, nos mantendo intretidos a maior parte do tempo. Brinca como criança, tem uma voz melódica que povoa meus sonhos e nos criou desse jeito: livres.
Eu, na minha inocência e quase-egoísmo, estava tão encantada com tudo, que não vi nada acontecer. Nem mesmo quando vi minha mãe chorando na beira da praia eu tentei entender. Lembro dela gritando com meu pai e contando para algumas pessoas o que tinha acontecido.
Ela sempre gostou de água, mas acho que não sabia nadar. Provavelmente meu pai disse:
- Não tem perigo, Célia. Até a Maira foi comigo até lá. Vamos, tu vais gostar.
Ele é bem convincente. Ela foi.
Eles estavam lá e meu pai os conduzia cada vez mais para o fundo. As ondas estavam ficando maiores e minha mãe começou a perder o fôlego: mergulhava, nadava, mergulhava, nadava. Não dava mais pé, seu corpo estava se entregando. Sem se dar conta, haviam entrado em um buraco. Entrando em pânico, ela tentava se segurar onde podia: no meu pai. Quando ele finalmente viu que não conseguiria tirá-los dali, gritou para um surfista que estava perto. O surfista rebocou minha mãe, quase inconsciente, para a areia. Meu pai ficou lá procurando o relógio que minha mãe tinha arrancado, no ímpeto de salvar sua vida. Sozinho ele se garante.
Anos mais tarde ela contou-me o que pensava naqueles momentos angustiantes dentro do mar. "Não acredito que minha vida está acabando aqui..." Ela pensava em mim e nos meus irmãos, um deles viajando em outra praia. Sentia uma tristeza profunda por nunca mais poder tocar-nos, beijar-nos, ver-nos, ouvir-nos...
Quando chegou na areia, ficou histérica. Essa é a única parte que eu me lembro realmente. A partir desse dia, sempre que ela tentava entrar no mar, voltavam aquelas lembranças e sensações.
O trauma não é meu, porém, hoje, quando entro no mar, sou extremamente cuidadosa. É preciso respeiteo com ele e, principalmente, respeito à própria vida. Penso que meu irmão sempre teve razão de achar que confiar em nosso pai não era o suficiente. Quando olho essa foto, penso nesse dia que poderia ter mudado todo o curso de minha vida.
"A vida é frágil...", a foto me sussura.
O que ela diz à ti?